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MANIFESTAÇÃO



O Fórum de Comunidades Tradicionais, movimento de defesa dos povos Indígenas, Caiçaras e Quilombolas de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba se manifesta contra o processo de criação do “Parque Estadual Marinho Tartaruga-de-Pente”, em sobreposição ao Território de Povos e Comunidades Tradicionais, em desacordo com a legislação vigente que protege esses povos.


Em junho de 2021, tornou-se pública a notícia de que a Fundação Florestal pretende criar uma nova Unidade de Conservação (UC) de proteção integral, no município de Ubatuba-SP, no entorno da Ilha Anchieta.

A notícia foi recebida com muita preocupação pelo território, uma vez que a nova UC afeta direta e indiretamente pescadores artesanais e comunidades tradicionais caiçaras da região, sobretudo, pela forma com que o processo vem sendo conduzido: falta de transparência e de estudos de impacto social, cultural e econômico, de forma apressada, desconsiderando a presença desses povos tradicionais; sem a devida Consulta Livre, Prévia e Informada, prevista na Convenção 169 da OIT, e em total desrespeito às demais normas que protegem essas populações.

Território historicamente ocupado pelo povo caiçara, a Ilha Anchieta, antigamente chamada de Ilha dos Porcos, foi habitada até o começo do século XX por dezenas de famílias caiçaras, que foram removidas para a construção da “Colônia Correcional da Ilha dos Porcos”, inaugurada em 1908. Em 1934, em homenagem ao quarto centenário de nascimento do padre José de Anchieta, foi renomeada como Ilha Anchieta, sendo a Colônia chamada de "Colônia Correcional da Ilha Anchieta", que funcionou como presídio até 1955, sendo extinta após uma grande rebelião ocorrida em 1952. Em 1977 foi criado o Parque Estadual da Ilha Anchieta-PEIA.


A área escolhida para ser um novo parque de conservação se sobrepõe a da Área de Proteção Ambiental Marinha do litoral norte de São Paulo (APAM-LN), uma UC de uso sustentável. Passados mais de dez anos de disputa e debates no território a APAMLN teve seu Plano de Manejo construído e finalizado em dezembro de 2019, através de um processo conduzido pela sua gestão com ampla participação dos diversos setores da sociedade que integram o Conselho Gestor e que desenvolvem atividades no ambiente marinho, das comunidades tradicionais e das entidades representativas da pesca artesanal, como as Colônias de Pesca, que se apropriaram do processo e inseriram contribuições fundamentais no documento. Depois de amplamente debatido e aprovado democraticamente no território, o Plano de Manejo seguiu para conclusão na Comissão Técnica de Biodiversidade (CTBIO), do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), onde está parado até os dias atuais, notadamente em razão de interesses econômicos e políticos de um pequeno grupo, em detrimento do legítimo processo participativo realizado no território. Sem que este importante instrumento de ordenamento territorial seja efetivado, conforme pactuado, a proposta de criação de um novo parque, com o processo sendo conduzido de forma acelerada, sem debates amplos, em uma área já protegida legalmente pela APAMLN, aumentará, indiscutivelmente, o agravamento das tensões e acirramentos das desigualdades sociais que, historicamente vem sendo causados por uma política elitista e excludente de criação de Unidades de Conservação em sobreposição à territórios de comunidades tradicionais.


Refutamos, portanto, qualquer tipo de retrocesso às ações que vinham sendo conduzidas, debatidas e acordadas para o território através do Conselho da APAMLN, bem como toda e qualquer medida para criação de uma nova Unidade de Conservação de Proteção integral, em sobreposição a APAMLN, sem a devida finalização do seu Plano de Manejo, uma vez que trata-se de documento fundamental à gestão ambiental da área em questão.


Há diversos outros pontos que também causam preocupação na criação do novo parque, e precisam ser amplamente discutidos, entre eles destaca-se: i) a Zona de Amortecimento que uma UC de proteção integral deve ter, que não foi especificada e que pode alcançar áreas de uso das comunidades caiçaras, especialmente da comunidade caiçara da praia da enseada que possui cercos flutuantes; ii) a minuta do decreto de criação também não foi disponibilizada ao público para sanar dúvidas e inserir contribuições; iii) o polígono de interdição de pesca criado pela Portaria 56/83 da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). Esse fato gera impacto e injusta criminalização dos pescadores artesanais, que mesmo não pescando na área a utilizam para passagem, sendo por isso muitas vezes autuados pela fiscalização ambiental por “ato tendente”, (artigo 36 da Lei 9605/98), fato que pode se intensificar com uma UC de proteção integral; iv) casos como do pescador artesanal conhecido como “Seu Joel”, que praticava a arte de pesca “cerco flutuante” desde antes da criação do PEIA, uma prática cientificamente comprovada como sustentável, e foi expulso da área sem reparação.


Contrariando aspectos fundamentais de um legítimo processo de consulta pública, sobretudo aos povos e comunidades tradicionais, a Fundação Florestal promoveu no dia 31 de agosto de 2021 uma Audiência Pública Virtual, sob alegação da pandemia de Covid-19. Além de prematuro, já que o assunto não foi dialogado devidamente com os atores envolvidos antecipadamente, o formato escolhido foi inadequado à ampla participação da população, especialmente às populações tradicionais da região que possuem diversas limitações para acesso aos meios virtuais como ausência de internet e até mesmo de eletricidade. Assim, seguindo os devidos protocolos sanitários se faz necessário construir formas mais justas e inclusivas de participação social.


O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), instituído pela Lei 9.985/2000 e regulamentado pelo Decreto 4.340/2002, é um documento que instrui e define critérios de como devem ser criadas e implantadas as UCs e nele está inserido o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais que são protegidas por outros instrumentos como o Decreto 6.040/2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e também pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que é um instrumento legal internacional que prevê a garantia dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e do qual o Brasil é signatário. Porém, apesar de todo um histórico de espoliação das Comunidades Tradicionais e de toda a luta e dos direitos conquistados, o Estado de São Paulo, através do seu Sistema Ambiental, insiste em perpetuar a velha cartilha de execução de projetos de conservação através de formas ineficientes democraticamente de se realizar a implementação das UCs, que também não preveem formas de se fazer reparação pelos danos socioculturais impostos historicamente às comunidades tradicionais, que devem ter seus direitos garantidos e que podem contribuir muito na preservação ambiental, que não é o motivo do questionamento, obviamente, pois a conservação dos ambientes naturais é um benefício para toda a sociedade, mas o processo da forma que vem sendo realizado.


Ressalta-se que o projeto de criação do “Parque Estadual Marinho Tartaruga-de-Pente” foi apresentado sucintamente em apenas duas reuniões realizadas em 12/07/2021, com a participação de poucos pescadores, já que as reuniões foram convocadas sem a devida e ampla divulgação. Na ocasião não foi possível aprofundar o debate e sequer foi disponibilizado material didático sobre o assunto. O relatório técnico de cerca de 500 páginas que, segundo a FF, subsidia o projeto, foi disponibilizado apenas 20 dias antes da Audiência Pública, aproximadamente. Como se vê, é flagrante a ilegalidade do processo de consulta às Comunidades Tradicionais da região.


Diante do contexto nacional, regional e local, bem como da escalada de ameaças e riscos aos quais as Comunidades Tradicionais estão enfrentando, contestamos a criação do “Parque Estadual Marinho Tartaruga-De-Pente, em total desrespeito às normas que protegem as comunidades tradicionais caiçaras e pescadores artesanais, condenando esses povos à invisibilidade e morte de seus modos de vida e reiteramos a disposição para o diálogo na construção de uma proposta adequada com vistas à proteção ambiental associada a conservação cultural Brasileira.





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