No dia 7 de março, nós, mulheres do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) participamos do ato organizado pela Marcha Mundial das Mulheres de Ubatuba (MMM) em parceria com os coletivos feministas e culturais da cidade. O ato foi realizado no calçadão do centro de Ubatuba com o objetivo de dialogar com a sociedade e estimular a reflexão, para que haja a consciência de que se hoje temos direitos é porque muitas mulheres lutaram antes de nós e se não defendermos essas conquistas, nós as perderemos.
“...Já foi dito a importância de agirmos na luta com indígenas e caiçaras. E estaremos aqui pra dizer não a toda opressão desse sistema quantas vezes for preciso. Continuaremos resistindo...." (Bethânia Souza Santos- Quilombo da Fazenda)
Iniciamos a atividade com uma aula pública, mostrando à população uma linha do tempo referente à luta das mulheres de nosso país, destacando, em torno de 20 mulheres desde Dandara, liderança quilombola, até os tempos atuais de Dilma e Marielle. Também foram homenageadas algumas líderes da cidade, como Dona Santa Rosa e Jandira Rosa, da Aldeia Boa Vista, Madre Glória, que deixou um importante legado cultural e artístico ao povo de Ubatuba e Esther Bueno, que sempre esteve envolvida com as lutas fundamentais para a população, como a reabertura da Santa Casa na década de 70.
Na sequência, tivemos as falas das diversas companheiras que ecoaram suas vozes sobre as nossas lutas concretas da atualidade: em defesa da educação e saúde pública; denúncia sobre a reforma trabalhista e da previdência; por uma vida livre da violência; contra as privatizações; pela autonomia sobre nossos corpos e sexualidades; pelo direito à moradia; pelo direito dos povos tradicionais caiçaras, quilombolas, indígenas, por direitos trabalhistas; pela democracia; contra o fascismo, etc. Tudo isso interligado as perdas que tivemos nos últimos tempos, desde o golpe contra a presidenta Dilma até agora, com o governo Bolsonaro.
“Todos os dias a mulher passa por preconceito de modo geral. O dia internacional da mulher é pra nós mulheres nos juntarmos e gritar pelos direitos, porque as coisas já não são fáceis, se a gente se calar, aí que vamos ser pisoteadas de vez. Sobre o território indígena, nós estamos com uma dificuldade tão grande hoje com esse novo governo, que já falou publicamente que não vai demarcar um centímetro de terra indígena, mas nós não temos medo disso, porque somos fortes, nós estamos aqui desde o início, nós somos da terra e por isso a gente nunca vai parar, vamos lutar sempre...” (Luiza Kerexu – Aldeia Boa Vista)
Após a aula e falas de mulheres, seguimos em marcha pelas ruas principais do centro de Ubatuba levantando a bandeira “Mulheres querem liberdade, trabalho digno, justiça, democracia e paz”. Durante o percurso, resistimos aos ataques machistas contra a manifestação, que nos estimulou a fazer uma parada simbólica em frente à delegacia da mulher, órgão que deveria nos proteger, para fazer um apelo pela vida das mulheres e de exigirmos “nenhuma a menos”.
“A luta das mulheres tradicionais veio da dor, da invasão, da violência dos corpos das mulheres indígenas e negras. Temos o território como a extensão de nossos corpos, pois abriga a nossa ancestralidade, o modo de vida, as práticas e as histórias dessas mulheres que sangraram antes de nós...” (Luisa Cardoso – Comunidade Caiçara da Prumirim)
Finalizamos a marcha no calçadão, com as apresentações culturais das mulheres indígenas da Aldeia Boa Vista, das Angoleiras de Ubatuba e do Grito de Maria. Foi um encontro rico, que uniu mulheres indígenas, negras e brancas para dizer NÃO a opressão contra a mulher em nossa sociedade!
“Resistimos para viver, marchamos para transformar!”
Nossa andança não parou por aí! No dia seguinte, 8 de março – Dia Internacional da Luta das Mulheres, a convite da MMM-Marcha |Mundial das Mulheres, partimos para São Paulo para nos unirmos as mulheres de todo o estado, na avenida Paulista.
Assim como em diversos países da América Latina e em outras partes do mundo, as mulheres de vários cantos do país foram às ruas para enfrentar o autoritarismo e o conservadorismo que estão em ascensão no Brasil, em uma conjuntura de precarização da vida e dos direitos das mulheres. Lutaremos, permanentemente, pelo fim do capitalismo, do patriarcado, do racismo e do colonialismo ainda existente!
Durante a concentração, fomos recebidas por batucadas, falas políticas, intervenções culturais e pelo lançamento da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, em que foram escolhidas companheiras de diferentes movimentos para ler um trecho desta ação.
“Por todo o mundo e em cada território, as mulheres organizaram atividades públicas, retomando a história do movimento e pautando os motivos para estar em marcha hoje. Com o lema “Resistimos para viver, marchamos para transformar”, a Ação Internacional celebra 20 anos desde que a Marcha foi às ruas pela primeira vez, dizendo não ao neoliberalismo e às políticas econômicas que atentam contra a vida das mulheres.” (Comunicação da Marcha Mundial das Mulheres).
Na hora do almoço, realizamos um piquenique coletivo e agroecológico, feitos com alimentos oriundos da agricultura familiar, sem agrotóxicos ou qualquer aditivo químico que possa nos envenenar.
“...Marchamos para transformar nossas vidas e mudar o mundo! Propomos e construímos outras formas de organizar a economia, com a sustentabilidade da vida como centro. Desde nossas práticas, construímos agroecologia feminista, articulada com as lutas por justiça climática e soberania alimentar...” (Trecho da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres)
Em seguida, nos juntamos às mais de 40 entidades, movimentos, coletivos e partidos que organizaram o ato “Mulheres contra Bolsonaro! Por nossas vidas, democracia e direitos! Justiça para Marielle, Claudias e Dandaras!” e seguimos em marcha pela avenida. Nem a chuva nos impediu de levantar nossas bandeiras e de gritar que queremos o fim da política de morte desse governo.
Mulheres ao mar
Enquanto algumas nós estavam em São Paulo no 8M, as parentes do coletivo feminino – remadoras da AARCCA (Associação de Amigos e Remadores da Canoa Caiçara) se aventuravam na praia da Barra Seca, na realização da 2° edição da “Corrida de Canoa Mulheres ao Mar”, que tem como objetivo o fortalecimento dos laços de amizade e da cultura da corrida de canoas caiçara.
Para a realização da corrida, contaram com o apoio do comércio local da cidade de Ubatuba. O evento foi totalmente voltado para o protagonismo das mulheres e contou com a participação de remadoras de diversas comunidades tradicionais, que competiram nas categorias 1, 2 e 3 remos, com premiação até a 3° colocada.
A canoeira
Ó canoeira do remo de guacá!
Ligeira e forte, vai pra longe, pro mar,
Vai ver a rede se está cheia ou vazia,
Vai ver a aurora no dourado da ria.
Leva a canoa, leva a cuia e um só remo,
Canoa-cepo de timbuiva-açu,
Louro, ingá, cedro ou guapuruvu.
Sai do remanso, para o longe do mar,
Só Deus e ela, ao gosto do dia,
Na manhã vermelha, na tarde já fria.
Ó canoeira, namorada do sol,
dona da rede, do remo do anzol,
que bem conhece o perigo das rochas,
da correnteza, da luz como tochas.
Pele curtida, cabelos ao vento,
Olhar risonho, sem ressentimentos,
O corpo forte, pequeno, treinado,
Pois mar é mestre, é conto, é reinado!
Ó canoeira do remo de guacá,
Que rema o dia, daqui pra lá.
Sempre é preciso ser dona do mar,
Pra viver bem, pra morrer, para amar
As belas águas, os contornos e as ilhas
Dessa grande serra, que ama suas filhas.
Amélia Olaio – Ubatubense, Poetisa e Aquarelista. No último 2 de março completaria 99 anos.
Texto: Bethânia Souza Santos; Ana Carolina Barbosa, Luisa Cardoso – Frente de comunicação Popular comunitária do FCT
Fotos 7M – Santiago Bernardes e Comunicação Marcha Mundial das Mulheres de Ubatuba
Fotos 8M – Comunicação Marcha Mundial das Mulheres de Ubatuba
Fotos Corrida de Canoa - KAZUO
Edição das fotos: Cristiano Braga