Nhandereko, o Turismo de Base Comunitária do Fórum de Comunidades Tradicionais
A Rede de Turismo de Base Comunitária avança e se consolida cada vez mais no território como uma ferramenta de luta dos povos e comunidades tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba
Poder contar sua verdadeira história e realidade, criar redes, fortalecer, gerar renda, empoderar e promover cada vez mais um novo olhar para o turismo de uma das regiões mais bonitas do Brasil. Mostrar que além das paisagens exuberantes, há comunidades tradicionais, saberes ancestrais, povo lutando em busca de garantir seus direitos ao território, cultura, educação e, sobretudo, pelo direito de continuar seus modos de vidas em cada local. É nesse contexto que nasce, a Nhandereko, nome da rede de Turismo de Base Comunitária do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba.
A Rede de comunidades envolvidas com o TBC é antiga, as primeiras iniciativas são de 2003. A partir de 2016 por meio da realização das “Partilhas em Turismo de Base Comunitária”, diversas ações foram colocadas em andamento nas comunidades articuladas pelo Fórum de Comunidades Tradicionais – FCT, que passaram a se encontrar e partilhar suas vivências dentro do turismo. Inicialmente com apoio da Fiocruz através do Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), 17 comunidades dos três municípios passaram a se articular com mais frequência.
“O TBC é uma possibilidade de resistência no território, faz com que a comunidade possa se olhar”, pontua Maria Guadalupe da comunidade caiçara de Trindade (RJ). A iniciativa, reúne diversas comunidades, empreendimentos coletivos, individuais e familiares e consolida de maneira intensa no território um turismo protagonizado pelos comunitários da região como uma ferramenta de luta em defesa de seus direitos.
Em 2017, a ideia de criar uma central de comercialização de produtos e serviços em turismo de base comunitária da Rede, como estratégia para ampliar sua capacidade comercial e de comunicação, conquistou um prêmio do DESAFIO BIG. O apoio permitiu continuar o processo de discussão e aprofundamento dos conceitos, estabelecer acordos e princípios para o funcionamento da Rede, bem como construir uma proposta coletiva de modelo de negócios para Central. Também faz parte dos objetivos do projeto: criar um site contendo portfólio online, dos produtos e serviços oferecidos por três comunidades (Trindade, São Gonçalo e Campinho) e realizar roteiros teste em parceria com agências de turismo.
A partir dos resultados do processo, foi possível também, mobilizar o apoio da Prefeitura Municipal de Paraty e da APA Cairuçu para as oficinas de formação.
Três oficinas foram propostas pelo projeto - em cada uma das comunidades citadas acima - e dentre essas atividades, as de Trindade e São Gonçalo já foram realizadas. Confira na sequência, registros desses momentos de intercâmbio, fortalecimento e de construir os princípios que irão nortear a rede Nhandereko.
Luta e formação na construção coletiva dos princípios e conceitos do TBC
“O TBC pra gente hoje é auto-reconhecimento da cultura, das nossas tradições, coisas que estavam perdidas ao longo do tempo e o turismo de base comunitária vem resgatar isso dentro da comunidade”, destaca Vaguinho liderança da comunidade caiçara de São Gonçalo em Paraty (RJ). As oficinas para criação e consolidação da Rede Nhandereko tem como proposta criar empatia entre as lideranças e propiciar espaços para a partilha de conhecimentos, nos quais os princípios e conceitos são alinhados.
Segundo ele, o TBC promove sobretudo o fortalecimento da luta dentro do território e a geração de renda. “Mas mais do que tudo representa a preservação da nossa tradicionalidade que ao longo dos anos vem sendo consumida pelo turismo de massa no município de Paraty e nas comunidades tradicionais”, completa. As oficinas promovem o encontro de cerca de 25 comunitários de 12 comunidades envolvidas no processo e permite a construção coletiva de diretrizes, sonhos e planejamentos para a rede de TBC.
Na Oficina em São Gonçalo além de vivenciar e levantar elementos para a roteirização do produto turístico, o grupo discutiu o modelo de negócios mais adequado à central de comercialização, considerando aspectos de governança local, como a democracia interna, a comunicação e a participação. As atividades do projeto buscam, sobretudo, fortalecer o protagonismo das associações locais como, por exemplo, da Associação de Moradores de São Gonçalo.
Turismo de Base Comunitária é nosso jeito de ser
“A identidade é o sentido de se reconhecer, é a nossa identificação como indígena. Esse é o modo de fazer as coisas, esse é o modo de ser indígena. Nas comunidades tradicionais todos tem sua cultura e seu modo de ser, é a identidade cultural de todos”, pontua Júlio da aldeia Sapukai de Angra dos Reis. Nhandereko é uma palavra Guarani e seu significado explica com precisão o que queremos compartilhar com os visitantes: “ o nosso modo de ser”.
O roteiro e os saberes de Trindade
Na comunidade caiçara de Trindade durante os dias 3 e 4 de outubro aconteceu a primeira oficina com objetivo de impulsionar a criação de princípios, conceitos e diretrizes da rede. Os comunitários do FCT experimentaram durante os dois dias de evento o roteiro de turismo de base comunitária disponibilizado pelos trindadeiros que receberam caiçaras, indígenas e quilombolas de diversas comunidades dos três municípios.
A oficina teve início na Sede da Associação dos Moradores de Trindade (AMOT) e logo em seguida, os participantes seguiram até o Rancho da Associação de Barqueiros de Trindade (ABAT), na Praia do Meio. De lá tomaram o barco para visitar e conhecer o cerco flutuante, podendo aprender mais sobre a lida dos pescadores locais que mantêm a tradição da pesca artesanal.
A visita foi finalizada com um passeio pela piscina natural da Praia do Caixadaço seguida de um almoço com a culinária tradicional local. Na parte da tarde, o roteiro foi concluído com uma roda de conversa com os trindadeiros Dário, Robson e senhor Vitor, considerado o último mestre canoeiro da comunidade. O mestre e os mais jovens iniciaram uma roda de conversa, trazendo contos e causos da comunidade. Relatos do período em que o local era habitado pelos povos indígenas, a história do nome desse lugar, a luta dos trindadeiros para manter seu território e muitos outros momentos históricos e marcantes de Trindade foram compartilhados com os presentes.
“Eu notei a semelhança com o nosso Quilombo, pois foram algumas famílias que não abandonaram o local, a força da resistência”, comenta Marilda, liderança do Quilombo Santa Rita do Bracuí, de Angra dos Reis sobre a permanência e luta dos trindadeiros na comunidade. “A organização comunitária, a união, a visita ao cerco, o feitio do remo, a vivência toda”.