
Saúde, educação e grandes empreendimentos foram os temas debatidos durante o encontro que reuniu mais de 70 pessoas, na maioria lideranças comunitárias indígenas da região.
A Terra Indígena Paraty Mirim, Aldeia Itaxim, localizada em Paraty Mirim, foi sede do “II Encontro de Justiça Socioambiental – Direitos Indígenas” que aconteceu entre os dias 21 a 23 de junho. O evento segue o compromisso de luta do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT) em buscar a garantia dos direitos dos indígenas, caiçaras e quilombolas da região.
Nesta segunda edição, o encontro representou o espaço ideal para a mediação de conflitos na busca pela garantia plena dos direitos dos povos Guaranis e Pataxós dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. O acesso pleno ao direito básico à saúde, com o respeito às tradições culturais; a causa urgente da educação indígena que padece sob a omissão do estado do RJ; e o cumprimento de condicionantes socioambientais dos empreendimentos relacionados à cadeia de petróleo e gás e à geração de energia nuclear foram os eixos norteadores do evento.
O não cumprimento da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi pontuado em todos os debates. O Encontro contou em todas as mesas com a mediação da Dra Cristina Melo, Procuradora da República do Ministério Público Federal (MPF) de Angra dos Reis.
A realização do encontro foi compartilhada entre a Associação Cultural Indígena Guarani (ACIGUA), o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e o Ministério Público Federal (MPF), com a parceria do Fundo Casa, da Comissão Guarani Yvyurupá (CGY), do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a FUNASA, a APA do Cairuçu/ICMBio, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Prefeitura de Paraty, a Associação de Moradores do Quilombo do Campinho (AMOQC) e as Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Verde Cidadania. O evento contou também com a colaboração fundamental de voluntários, amigos e parceiros.
A luta pela garantia do direito à saúde.
A precarização da saúde indígena, a falta de acessos ao saneamento básico nas aldeias e o descaso dos governos nas diferentes esferas de poder foi apontada por lideranças de todos as comunidades presentes. A ausência de resposta e de estrutura que deveria ser fornecida pelos órgãos como a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) representa atualmente um dos maiores entraves que prejudicam o acesso a esse direito dos povos indígenas da região.
“A Sesai está piorando a saúde indígena e nós pedimos que nossas demandas sejam atendidas. Todo ano que a gente vai lá pedimos as mesmas coisas e nada mudou. Desde que eu entrei para a representação de Curitiba, a única coisa que eu consegui foi um técnico em saneamento e ainda fomos questionados sobre o porquê do carro para o técnico”, pontua Neusa da aldeia do Rio Pequeno em Paraty (RJ), que é também presidente do Conselho Estadual de Saúde Indígena. Segundo ela, no Rio Pequeno, não tem posto de saúde e o povo é atendido em uma barraca.
“O índio é muito forte espiritualmente, estamos dentro da casa de reza, estamos com ñanderú. Hoje o governo só apoia quem tem dinheiro. Precisamos de apoio para que nossos direitos sejam garantidos, principalmente respeitados. Não adianta o governo, o homem branco criar uma lista de direitos se não estão sendo cumpridos”, completa a liderança.
“Também vemos o descaso total do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) em que o coordenador é um indicado político que não tem o conhecimento da causa indígena”, relata Marcos Tupã, liderança da aldeia Boa Vista de Ubatuba e coordenador da Comissão Guarani Yvurupá. As comunidades indígenas de São Paulo e Rio de Janeiro são atendidos pelo DSEI do estado do Paraná, e essa é outra reivindicação das aldeias, que haja a criação de um distrito que atenda especificamente os povos desta região. “Não é uma questão de privilégio é uma questão de direito. Antes de ser indígena, temos o direito fundamental humano”, finaliza.
Educação deve ser construída e protagonizada pelos povos indígenas.
A burocracia estabelecida para as escolas dentro das aldeias e a falta de amparo do estado, sobretudo do RJ, em auxiliar no respeito às diferentes formas de conhecimento que há dentro de uma comunidade indígena faz com que os professores de todas as aldeias se deparem com sério problemas para o desenvolvimento de uma educação de fato diferenciada.
“Tudo que aprendemos vem dos nossos mais velhos e nossos alunos vão aprender a mesma coisa. A nossa luta é para esse conhecimento aconteça e permaneça”, ressalta Ivanildes Kerexu, da aldeia de Paraty Mirim. “Não adianta dizer que a educação é diferenciada se só está ali o português ou o guarani. A educação diferenciada deve servir para fortalecer o conhecimento tradicional e a sua resistência dentro da comunidade com o seu povo. Formação pra mim é isso”, completa.
A relação da educação com a soberania alimentar das comunidades foi apontada como entrave no debate, uma vez que a merenda escolar não respeita as necessidades alimentares da comunidade tradicional. “De manhã as crianças comem tipá, batata assada, mandioca assada”, conta Ivanildes. E o cenário da merenda escolar coloca na mesa alimentos industrializados que não dialogam com o modo de vida tradicional do povo indígena. “As crianças indígenas comem bem porque todo dia eles correm, brincam, eles vão para a cachoeira, todos os dia se movimentam. Eles têm fome”, pontua Ivanildes.
“Muitos juruás estão presos nesse sistema padrão e é muito difícil construir o sistema diferenciado porque na cabeça deles, dá muito trabalho”, alerta Jerá Giselda, liderança da aldeia Tenondé Porã em São Paulo (SP). Segundo ela, que trabalha com educação indígena há mais de 15 anos, os juruás que coordenam a educação estão presos ao sistema capitalista, que vê na padronização a melhor escolha. “Os indígenas vem ao mundo, espiritualmente falando, com destinos, predestinação, vocações diferentes”, destaca Jerá sobre o fato de ser fundamental uma educação que respeite essas características culturais.
Grandes empreendimentos X o direito de sobreviver.
O impacto de grandes empreendimentos na região de Paraty, Angra dos Reis e Ubatuba foi o tema discutido no terceiro e último dia de evento. O debate reforçou que há o descumprimento das condicionantes socioambientais da Eletronuclear (Usinas nucleares de Angra dos Reis) e de outros grandes empreendimentos ligados à cadeia de petróleo e gás (Pré-Sal) no que se refere aos direitos indígenas.
“A criação de rodovias, Unidades de Conservação e outros empreendimentos não respeitam os direitos dos povos indígenas. Nós guaranis exigimos que antes da implementação desses empreendimentos as comunidades sejam consultadas e ouvidas (consulta prévia e informada, como garante a convenção 169 da OIT, que o Brasil é signatário)”, alerta Marcos Tupã. De acordo com a liderança, isso não tem acontecido em nenhum dos empreendimentos que atravessam as terras indígenas. “Muitas vezes quando tomamos conhecimento os empreendimento já estão se instalando e quando vem a consulta prévia, não há informações dos reais impactos diretos e indiretos que afetam diretamente a vida das aldeias”, finaliza.
Luta que segue.
Os povos indígenas presentes no encontro gritaram pela garantia dos seus direitos. Saúde, educação e ao território que possibilita também a preservação do modo de vida dos povos indígenas foram os gritos.
Dentre os temas discutidos nos três dias de evento, uma série de propostas e encaminhamentos foram levantados pelos indígenas. Ademais, compromissos firmados com representantes dos órgãos presentes, fizeram parte de uma carta redigida de maneira coletiva no encontro.
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