Resistência e território: lideranças do FCT se reúnem para fortalecer a luta das comunidades tradici
A Reunião Ampliada do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) aconteceu no quilombo do Campinho em Paraty (RJ) e reuniu mais de cinquenta representantes de comunidades tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba durante os dias 28 e 29 de outubro. O encontro faz parte da agenda do FCT como parte de integrar comunitários, discutir pautas de luta, a agenda para os próximos meses e o esperado lançamento da campanha do “FCT + 10 Em defesa do Território Tradicional”, que aconteceu no último sábado dia 19 de novembro foram alguns dos assuntos tratados durante os dois dias de reunião.
Comunidades caiçaras e quilombolas dos três municípios e indígenas da etnia guarani mbya e pataxós junto a colaboradores do Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) e demais parceiros discutiram e criaram uma agenda de planos e ações do FCT para os próximos meses. Dentre os temas debatidos, durante o primeiro dia de reunião, grande parte das pautas discutidas foram os conflitos territoriais, o novo Zoneamento Ecológico e Econômico do município de Ubatuba (ZEE LN) e as diversas realidades dos povos e comunidades tradicionais da Bocaina.
Os temas discutidos nos dois dias fez com que se criassem grupos de trabalho para dar continuidade às demandas das comunidades. Informes, planejamentos, encontros e novas reuniões de cada uma das etnias presentes fizeram parte da reunião.
Quilombolas em luta
O Quilombo Santa Rita do Bracuí em Angra dos Reis está em período de titulação, ou seja, as terras, após anos de conflito, serão finalmente tituladas para as famílias quilombolas. Esse processo, entretanto, faz com que as notificações para aqueles que estão em terra que será titulada provoque sérios problemas à comunidade. As pessoas que não são quilombolas e que construíram casas irregulares no território estão sendo notificadas pelo Incra, órgão que regulariza a titulação de terras no Brasil.
Dona Marilda, griô e liderança do quilombo, relatou uma série de ameaças que o povo de lá tem sofrido por aqueles que vivem no entorno. Ofensas, frases com ameaças e outros tipos de agressões verbais têm tido as atitudes daqueles que recebem essas notificações. “O Incra nos informou que essas ameaças acontecem em todas as comunidades em processo de titulação, mas sabemos que onde há fumaça, há fogo, temos que ficar muito espertos e nos proteger”, disse a griô.
Comunidades quilombolas de Ubatuba como a Fazenda a Caçandoca, junto a seus representantes, apresentaram realidades conflituosas, o primeiro por conta do Parque Estadual e o segundo por conta do interesse privado de grileiros de terra em áreas do quilombo. Nos dois locais, a atuação do FCT também auxilia na resolução conjunta de alguns conflitos internos em busca de fortalecer a luta coletiva, como forma, principalmente, de unificar e promover a harmonia das comunidades para garantir o território. “Não podemos deixar que pequenos desentendimentos e diferenças nos enfraqueçam perante problemas maiores”, considerou Vagner do Nascimento (Vaguinho), coordenador do FCT e colaborador OTSS
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Grandes empreendimentos ameaçam caiçaras
O decorrer da reunião apresentou as lutas e entraves de diversas comunidades caiçaras com o poder público e contra grandes empreendimentos. A comunidade caiçara do Sono em Paraty continua vivendo uma realidade preocupante, em conflito direto com o condomínio laranjeiras. Atualmente há seis moradores dessa comunidade que estão vetados de atravessar o condomínio a pé, correndo risco de serem presos e levarem multas. A determinação do MPF foi contrária à liberdade das pessoas que precisam atravessar o empreendimento para chegar até suas casas e só podem passar por ali dentro de uma Kombi do próprio condomínio.
“O parecer da procuradoria e do juiz responsável pelo caso vai contra a comunidade e nós temos que obedecer para não sermos indiciados”, relatou Jadson Santos, caiçara do Sono. Além dos casos recentes de agressão a moradores e da falta de transporte fazem com que os entraves continuem prejudicando a vida do povo que depende dessa travessia. “Estamos sendo massacrados pela mídia e pela hegemonia do capital. Nós estamos no ultimo filé de pedaço de natureza e de belezas entre Rio e São Paulo e eles querem acabar com tudo isso”, completou.
Lideranças de Ubatuba contextualizaram a atual situação do município com relação ao gerenciamento costeiro que irá determinar os mapas do novo Zoneamento Ecológico e Econômico de SP (ZEE LN). A revisão feita pelo estado de São Paulo deveria ter passado por um processo participativo de escuta as comunidades tradicionais, ademais, o grupo responsável por gerir essas mudanças foi influenciado diretamente por grandes empresários do setor da construção civil e náutico.
Agroecologia: soberania alimentar e luta contra o veneno na comida
A realização e organização do IV Encontro Estadual de Agroecologia do Rio de Janeiro, que está previsto para acontecer em março de 2017 em Paraty (RJ) foi uma das pautas discutidas e apresentadas na reunião. “Neste momento acho de suma importância a representatividade do FCT nos movimentos da agroecologia, para encabeçar a entrada de fez agroecologia na cidade. A agroecologia representa também uma conquista para o território, luta contra hegemônica, frisar que existe sim agricultura sem veneno na nossa região”, destacou Zé Pereira, um dos agricultores agroecológicos que trabalha para fortalecer essa prática em Paraty e seus arredores.
“Sem agroecologia não existe território. No decorrer desse ano trabalhamos através das partilhas, momentos onde todos os saberes são colocados na mesma roda e são compartilhados, respeitando cada um, as crianças, os mestres, os acadêmicos e todos os demais que participam”, destacou Pereira. O mestre da agroecologia apontou essa ferramenta como mais uma força para lutar contra o golpe e o governo que está tirando cada vez mais os direitos populares. Segundo ele, o Encontro funcionará também para mostrar os focos de resistência daqueles que promovem essa prática.
Chamado para a juventude do FCT!
“Criamos recentemente o Núcleo Jovem do FCT que realizou seu primeiro encontro. Na comunidade do Ubatumirim em Ubatuba (SP)”, disse Marcela Cananea, liderança caiçara do FCT e colaboradora do OTSS. Ela fez um chamado na reunião para que os jovens presentes auxiliem na construção do próximo encontro que ainda não tem uma data marca. “É a própria juventude que organiza o encontro, define a pauta, a facilitação e tudo isso auxilia, sobretudo, como forma de aprendizado e formação”, ressaltou.
“Acredito ser interessante pensarmos numa metodologia em que a comunidade que recebe o encontro possa contar a história do lugar, ensinar as práticas tradicionais daquele lugar. E com isso fortalecer o FCT. Cananea acredita que os jovens podem aprender muito com os mestres guerreiros que estão na luta há mais tempo e que há dez anos criaram o FCT. “A intenção é que essa juventude possa se formar para dar apoio aos mestres, para que lá na frente possam conseguir segurar esse movimento social. Sabemos que na escola não vamos aprender o que aprendemos neste espaço. Assim que agendarmos iremos informar todo mundo”, finalizou.