Povo guarani em luta: saiba como foi o Encontro de Caciques Guarani em Ubatuba (SP)
Por: Marcela Cananéa
Troca de saberes com os mais velhos, fortalecimento da juventude e reivindicações da luta indígena por saúde e território marcaram o encontro.
Aconteceu nos dias 4 e 5 de novembro na aldeia Boa Vista em Ubatuba o “Encontro de Caciques Guarani”, que reuniu lideranças, crianças e jovens das comunidades indígenas também de Paraty e Angra dos Reis. O evento que contou com o apoio do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) por meio Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), da FUNASA e do Fundo Socioambiental Casa teve como finalidade promover debates, pactuar acordos e cartas como forma de articular demandas urgentes das lutas dos povos indígenas brasileiros e do povo guarani.
A programação do encontro teve início com uma roda de conversa para tratar das questões de território, contextualizando a situação das terras indígenas na região, as demarcações, as PECs. “Na primeira conversa, os jovens expuseram como se sentem ao tomar consciência da realidade por meio das falas dos mais velho. A partir dessa reunião, puderam compreender mais a atual situação do território, pois, mesmo estando demarcados, não estamos totalmente seguros devido as PECs que ameaçam as demarcações recentes”, pontuou Alexandro Kuaray, da aldeia Itaxim de Paraty Mirim.
Kuaray que faz parte do Núcleo Jovem do FCT colabora com o OTSS destacou também a importância dessa conversa, para que os jovens se alertem de que nao estao totalmente seguros. “Eu mesmo fazia isso, me acomodava por saber que já estava tudo demarcado, só que a realidade é outra e com esses encontros junto aqueles que estão mais à frente dos conhecimentos das leis nos fortalece e nos prepara para os enfrentamentos”, completa.
As discussões sobre saúde e educação foram realizadas no segundo dia de encontro, que reuniu mais lideranças no local. Após as apresentações, os presentes expuseram a situação da revogação da Portaria 1907/16 que iria municipalizar a saúde indígena no Brasil e que após ocupações em diversas partes do país, foi derrubada. Entretanto, a luta não pode parar porque mesmo com essa revogação o Governo Federal pretende encerrar convenios com as prestadoras de serviços de saúde dos povos indígenas.
Foi pactuada e construída coletivamente uma carta para ser enviada via Comissão Guarani Yvyrupa. Segue abaixo o documento que foi assinado por todas as lideranças e demais participantes do encontro:
“Nós, caciques e lideranças guarani reunidos nos dias 4 e 5 de novembro de 2016 na aldeia Boa Vista em Ubatuba (SP) reivindicamos por meio desta carta, a prorrogação dos convênios com as entidades SPDM, Missão Caiuá e IMIPI, que atendem a saúde indígena no Brasil, até final do ano de 2017. Esse pedido é fundamental para que haja tempo de discussão entre as bases de lideranças indígenas, garantindo o direito da consulta prévia, livre e informada, conforme prevê a Convenção 169 da OIT, e que seja possível a criação de propostas para o novo chamamento das instituições que trabalham com a saúde indígena. Para nós, povos indígenas, tal prorrogação compreende a garantia do atendimento de base na área de saúde e a autonomia dos cuidados e serviços, sem deixar que esses serviços sejam municipalizados, uma vez que, o Governo Federal, tem dever de fomentar e suprir as necessidades de saúde dos povos e comunidades tradicionais.”
Outra carta documentada no encontro ainda com relação à saúde indígena reivindicou a nomeação de Hyral Moreira, advogado e liderança indígena para a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei)
“Nós, caciques e lideranças guarani reunidos nos dias 4 e 5 de novembro de 2016 na aldeia Boa Vista em Ubatuba (SP) reivindicamos por meio desta carta, a exoneração da atual coordenadora do DSEI do Litoral Sul Curitiba (PR), senhora Vilma Marli Depetris, e a nomeação de Hyral Moreira, advogado e liderança guarani da aldeia de Biguaçu (SC).
Acreditamos ser esse um direito legítimo, uma vez que ter uma liderança indígena representando um órgão responsável pelo cuidado com a saúde indígena é coerente e também um direito de nós, povos indígenas, porque só assim, nossas reivindicações poderão ser tratadas de maneira justa.”
Por: Marcela Cananéa
As demandas territoriais também geraram a construção de um documento com reivindicações urgentes sobre a garantia da terra para os povos indígenas dos três municípios presentes.
“Nós, caciques e lideranças guarani reunidas nos dias 4 e de novembro de 2016 na aldeia Boa Vista em Ubatuba (SP) exigimos por meio desta carta, que sejam tomadas providências urgentes e fundamentais para a garantia dos nossos territórios, sobrevivência do nosso povo e resistência da nossa cultura e modo de vida.
• Exigimos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) conclua e publique o Relatório Circunstanciado das aldeias Itaxim, Araponga e Rio Pequeno. Esses relatórios apresentam os estudos de revisão dos limites para expansão das áreas dessas três aldeias guarani do Estado do Rio de Janeiro. Essa revisão, conforme prevista, precisa ser feita de maneira urgente para que as atividades de cada uma dessas comunidades sejam mantidas. Isso inclui os diversos usos, que nós, povos guarani fazemos da terra como a agricultura, nossas manifestações culturais, a saúde e a educação para todos, enfim, a nossa sobrevivência, conforme garante a Constituição Federal de 88.
• Em conformidade com acordo já firmado entre a aldeia Boa Vista e o quilombo de Itamambuca, solicitamos que a Funai encaminhe os relatórios já publicados e decretados pela presidência desta instituição, sobre a revisão dos limites e a sobreposição de território com a área quilombola. Pedimos por meio deste documento a Funai encaminhe tais relatórios aprovados ao Ministro da Justiça para que seja feita a publicação da Portaria Declaratória de Ocupação tradicional que reconhece como território indígena a aldeia Boa vista, conforme garante a Constituição Federal de 88.
• Reivindicamos, enfim, por meio deste que seja criado um grupo de trabalho (GT) de Identificação e delimitação para estudo e reconhecimento do território da aldeia indígena Renascer, da etnia tupi guarani, localizada em Ubatuba (SP).”
Todas as cartas com as reivindicações foram assinadas pelos presentes e encaminhadas para Brasília por meio do Marcos Tupa, coordenador geral da Comissão Guarani Yvyrupa e liderança indígena da aldeia Boa Vista de Ubatuba.
Eme’en jevy oré yvy peraá va’ekue roiko’í avã
“Devolve as nossas terras que vocês levaram para que possamos viver”