
Gustavo Machado, responsável pela coordenação destas ações conta mais sobre a tecnologia desenvolvida junto aos comunitários da praia do Sono em Paraty (RJ) e o andamento das obras na comunidade.
Elaborada por uma equipe multidisciplinar que envolve comunitários, pesquisadores, arquitetos e permacultores na comunidade caiçara do Sono em Paraty (RJ), o Saneamento Ecológico está em sua segunda fase (expansão) de construção. O projeto recebe o apoio da Fiocruz e da Funasa por meio do Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS).
Os módulos ecossanitários estão neste momento passando pela expansão, ou seja, mais módulos têm sido construídos e até março de 2017 pretende-se finalizar a construção dos módulos em 10 núcleos familiares da comunidade.
Atualmente dois módulos de saneamento estão sendo finalizados com uma grande inovação, construídos com bioconstrução, por meio de hiperadobe, uma tecnologia que utiliza o próprio solo para construir as paredes do sistema. Ademais, a primeira família está recebendo um banheiro construído com essa tecnologia.
“Trabalhamos com ecologia de saberes, e com uma equipe multidisciplinar. Essa tecnologia partiu de investigar tecnologias que já aconteciam no Brasil e a partir da necessidade do próprio território”, destaca Gustavo Machado, coordenador da equipe do Saneamento Ecológico que faz parte da equipe do OTSS.
Em entrevista ele conta mais sobre como a tecnologia foi criada e seu desenvolvimento junto à comunidade. O projeto agora está na finalização da segunda etapa de construção, já construindo módulos para atender aos primeiros núcleos familiares da comunidade.

Como foi construída a tecnologia que envolve o tratamento de esgoto neste projeto?
No primeiro módulo construímos o saneamento ecológico para a escola, composto por um tanque de evapotranspiração com caixa de gordura. O processo todo envolveu uma parceria direta com os caiçaras por meio da Associação de Moradores da Praia do Sono (AmoSono), o Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra, paraty e Ubatuba (FCT), a Prefeitura Municipal de Paraty (PMP), a Reserva Ecológica da Juatinga (REEJ/INEA), o OTSS, Funasa e Fiocruz. O intuito do saneamento ecológico é fecharmos o ciclo de nutrientes, utilizando o esgoto como produto, gerando água e nutrientes para o plantio de bananeiras. A segunda fase está sendo implementada pelo OTSS, AmoSono, FCT, Funasa e Fiocruz, com apoio da REEJ/INEA.
A questão crítica foi percebermos nesse primeiro processo o custo muito alto de material e vimos a necessidade de criar adaptações para dar continuidade ao trabalho de implementação do saneamento ecológico na comunidade da praia do Sono. Essas percepções foram divididas com a comunidade para pensarmos juntos em outras possibilidades.

Quais foram as transformações feitas para que a tecnologia se tornasse mais sustentável?
Primeiro nós mudamos a tecnologia utilizando tanque de evapotranspiração, caixa de gordura e adicionamos o círculo de bananeiras para tratar as águas cinzas. Nós também modificamos a matéria-prima, usando a tecnologia de bioconstrução com superadobe e hiperadobe. Assim, o material escavado que antes era considerado resíduo, também passou a ser utilizado como produto para construir as paredes do sistema. Esse material é obtido a partir da terra do próprio território e isso gera autonomia e sustentabilidade, fazendo com que as pessoas possam se empoderar para poder construir em suas próprias casas, facilitando também o transporte que deve ser todo por mar. Neste momento, estamos fazendo 10 módulos para núcleos familiares, e cada um deles contém 3 tecnologias, uma caixa de gordura adequada para o esgoto da cozinha, um círculo de bananeiras para as águas cinzas e de máquina de lavar roupa e um tanque de evapotranspiração para o esgoto de sanitários.

Como funciona o tanque de evapotranspiração?
O tanque de evapotranspiração, ou fossa verde, ou fossa biodigestora, é: uma caixa fechada e impermeabilizada, lembrando, que assim nenhuma água escorre para baixo. Dentro do sistema é construída uma câmara interna para digestão dos microorganismos. Depois da câmara são colocadas camadas com entulho, brita e areia para filtrar as águas. Em cima disso tudo, colocamos terra e plantamos bananeiras para que haja a evapotranspiração. A câmara passou também a ser construída de pneu para reduzir os custos. O intuito da evapotranspiração é tratar o esgoto e transformá-lo em irrigação para as bananeiras e com isso passamos a lidar com o esgoto de forma a reutilizar o esgoto e produzir alimento.
Como foi feita a escolha dos núcleos familiares que estão recebendo o Saneamento Ecológico?
Os critérios de prioridade da construção dos módulos seguintes foram elencados pela comunidade. Os primeiros a receberem são: 1) aqueles localizados mais acima das nascentes, para conseguirmos ver a mudança na qualidade do rio; 2) ser morador da praia do sono; em seguida, 3) as famílias com maior quantidade de pessoas; 4) com menores condições sanitárias e financeiras. As casas foram escolhidas junto com a associação e validadas com a comunidade por meio de planejamento participativo. Além disso, foi contratada mão de obra local para a construção de todos os módulos, trocando saberes faz-se possível multiplicar esses conhecimentos. A ideia é formarmos multiplicadores sociais para que eles possam explicar o processo na comunidade e também em outros lugares.
Como se deu o processo com a comunidade do Sono?
O processo se dá a cada momento. Nós atuamos em conjunto na escola com plano de educomunicação ambiental, junto com as crianças e os professores. Atualmente estamos atuando na escola com compostagem, na implementação de horta e trabalhando em busca de mostrar que os resíduos podem ser transformados e que os ciclos podem ser fechados.
Esse processo também continua num diálogo constante em reuniões coletivas com a comunidade e com os atores locais. Nosso intuito é aprender junto e construir essas soluções através do diálogo com todos, construindo pontes que fomentem uma atuação da sociedade civil junto com os órgãos públicos. Ao longo do processo, percebemos que o diálogo constante com a comunidade é fundamental, e para além das conversas coletivas, focar também nas conversas individuais e explicar sobre a obra.
Estamos integrando ações estruturais de construção com estruturantes, de sensibilização, para uma mudança de percepção da comunidade, dos atores locais e também nossa, ao longo de todas as trocas. Um ponto crucial em todo o processo é a contratação dos comunitários construtores como multiplicadores sociais, pois assim a sabedoria construtiva fica dentro do território.
Como o projeto fomenta a multiplicação do conhecimento e quais as expectativas no andamento deste processo?
Estamos realizando partilhas de saneamento para que outros comunitários possam ir, conhecer e saber como é feito e assim construírem sozinhos. Dentro disso, é importante saber o que a comunidade quer para que a tecnologia se adeque a comunidade e não o contrário. Além disso, que isso possa se espalhar para além do saneamento ecológico. O projeto todo possibilita termos uma visão de saneamento integral que contempla o cuidado com a natureza, com os indivíduos e com a sociedade, de forma inclusiva, participativa e geradora de autonomia a todos os envolvidos.
Contribuição Fotográfica: Tiago Rup