
A Partilha “O Mar Sobe o Sertão” foi realizada para promover o intercâmbio de saberes e fortalecer o Turismo de Base Comunitária enquanto ferramenta de luta das comunidades tradicionais.
No dia 31 de agosto, aconteceu no Quilombo de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis, o evento “O Mar Sobe o Sertão”, Partilha em Turismo de Base Comunitária (TBC), realizada pelo Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) em parceria com a Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. A atividade fez parte da programação do Agosto Cultural 2016 e teve como parceras fundamentais para sua realização a Associação dos Remanescentes de Quilombos Santa Rita do Bracui, Associação Comunitária Indígena Bracui, ONG Sapê, Associação de Barqueiros de Angra dos Reis, Cultuar, a TurisAngra e o Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS).
Recebidos com um café da roça ao lado de uma das cachoeiras do quilombo, militantes do FCT, caiçaras do Aventureiro e do Matariz – comunidades da Ilha Grande, representantes do poder público local, indígenas da aldeia Sapukai, pesquisadores do OTSS entre outros participantes, totalizando 34 pessoas, puderam vivenciar o roteiro de turismo de base comunitária que existe neste local. Marilda, griô da comunidade começou o recorrido apresentando a história do quilombo.

O diálogo entre comunitários que a metodologia da Partilha proporciona encoraja seu protagonismo e a experimentação a partir das potencialidades locais. Sua realização faz parte de uma estratégia para promoção do desenvolvimento local e resgate do patrimônio cultural articulado pelo FCT. O turismo foi um dos maiores vetores de crescimento do litoral brasileiro a partir dos anos 70, no entanto sua implementação se deu em geral pela expropriação de terras e marginalização das comunidades. Na contramão das estratégias do capital o Turismo de Base Comunitária pretende promover a autonomia, estimular a colaboração, a solidariedade e a reciprocidade entre os empreendimentos comunitários e fortalecer a luta pela permanência em seus territórios.
A caminhada pelo quilombo apresentou aos visitantes o plantio agroflorestal, a chiboca – antiga mercearia, as construções tradicionais, um guapuruvu centenário, e diversas plantas medicinais muito bem conhecidas pela griô que os recepcionou. A partilha de conhecimentos e histórias entre quilombolas, caiçaras e indígenas presentes evidenciaram a comunhão do território e dos saberes que dialogam na mesma natureza.

É preciso reescrever a história
“Essa terra aqui é nossa. História oral é a história oficial revisitada”, pontuou com sabedoria a mestra que recebeu os visitantes. Segundo ela, a é importante recontar a história que não se aprende nos livros para que os jovens e crianças compreendam verdadeiramente o lugar em que nasceram e valorizem a terra que estão pisando. “Eu costumo dizer que enquanto os povos negros estavam sobe a escravidão eles não tinham como mostrar seus conhecimentos, porque os escravocratas não queriam saber se eles sabiam alguma coisa. Só depois que eles recebem a liberdade é que puderam mostrar que sabiam plantar, como construíam suas casas e como criavam seus filhos”, finaliza.
“A Liberdade não ficou do nosso jeito, deram nossa liberdade, mas não deram nossos direitos. O Hino Nacional diz assim: A nossa pátria mãe gentil. Eu não concordo com essa fala! Gentil pra quem? Tem uns filhos para quem essa pátria só dá o chicote”, alerta Marilda. Diferente do que trazem os livros de história, os quilombos são e sempre foram espaços de resistência, lutas e conquistas diárias por direitos que nunca foram assegurados da maneira que deveria ter sido. Por conta disso, receber turistas, pesquisadores e interessados em conhecer mais sobre a história e o modo de vida do quilombo auxiliam na afirmação de sua identidade e cultura.

O roteiro de TBC do Quilombo de Santa Rita do Bracuí é planejado pela associação de moradores e sua implementação fortalece as relações sociais, movimenta e amplia a integração econômica interna e promove a interculturalidade e a qualidade ambiental. “É muito importante também lembrar a questão da resistência e da alegria em meio a tanta luta, que está tendo aqui e que não é diferente de nossas comunidades. Além disso, a alegria de viver e de receber e de trocar, mesmo com tanta dificuldade, essa alegria nos fortalece para continuar resistindo”, diz Daniele Elias, do Quilombo do Campinho de Paraty (RJ).
Jongo é resistência
“O Jongo ficou pra gente como uma herança africana, originária do povo Banto, e a gente preserva até hoje, sendo passado de geração para geração. E a gente preserva não é só porque é legal, e sim porque é uma forma de resistência, da luta pelo nosso território, coisa puxando a outra”, afirma Luciana Silva, liderança da comunidade. A presença e o fortalecimento do jongo no quilombo tem feito cada vez mais com que a juventude se empodere dos seus direitos e alinhe a necessidade da prática cultural com as conquistas que garantem o território e o modo de vida da comunidade.

Essa manifestação cultural existe no sudeste e representa a resistência dos povos negros em diversos lugares. Um trabalho desenvolvido em parceria com o Pontão do Jongo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e grupos jongueiros dos diversos estados em que ele se manifesta, inclusive o grupo do quilombo Santa Rita de Bracuí, batalhou para que a tradição fosse reconhecida como patrimônio imaterial da cultura brasileira. “Nesse processo de salvaguarda, vimos a necessidade de se criar as jovens lideranças, e elas se reúnem de dois em dois meses, a cada mês uma comunidade jongueira diferente para garantir e manter vivos os debates e as demandas do jongo. E é pelos caminhos do Jongo que a gente está aqui, esse caminho do Jongo tá levando a gente pro mundo”, completa Luciana.
A atividade foi encerrada com uma avaliação e com o planejamento de uma nova Partilha a ser realizada na Aldeia Guarani de Sapukay, na Terra Indígena Bracuí. Ao final todos celebraram o evento com uma roda de jongo.
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