FCT exige que as populações caiçaras, quilombolas e indígenas sejam ouvidas antes da validação do zo
Falta de representação, consulta livre, prévia e informada, e justificativas infundadas são pontuadas por lideranças dos povos tradicionais junto ao Ministério Público Federal em plenária realizada em Caraguatatuba (SP).
Caiçaras, quilombolas e indígenas de diversas regiões de Ubatuba reivindicaram suas vozes e participação durante plenária que aconteceu na Secretaria Municipal de Educação de Caraguatatuba e discutiu durante os dias 31 de agosto e 1º de setembro proposta de revisão do zoneamento ecológico econômico do Litoral Norte do Estado de São Paulo (ZEE-LN). A Coordenadoria de Planejamento Ambiental do Governo do Estado de São Paulo (CPLA) é o órgão responsável por gerir esse zoneamento junto às prefeituras municipais de Ilhabela, São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba. O Grupo Setorial LN foi criado para atuar no processo de revisão do Decreto Estadual nº 49.215/04, que dispõe sobre o ZEE-LN e não possui representantes das comunidades tradicionais da região.
A apresentação do mapa com a proposta do ZEE do município de Ubatuba aconteceu no dia 1º de setembro. Na ocasião, lideranças tradicionais de comunidades que serão atingidas diretamente pelas alterações de zoneamento estiveram presentes para reivindicar seus direitos e garantir que as mudanças propostas não prejudiquem seus modos de vida. As reuniões organizadas desde o início do processo não foram bem divulgadas e as informações relacionadas a cada alteração tampouco foram transmitidas aos comunitários.
A mudança do zoneamento irá definir nada menos que o futuro dos municípios durante os próximos anos, onde e de que forma será permitido construir, plantar, colocar estruturas náuticas, entre outras atividades da região. Thatiana Lourival, advogada do Fórum de Comunidades Tradicionais Angra, Paraty e Ubatuba (FCT) e do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) entregou ao Grupo Setorial e ao Ministério Público Federal um ofício destacando as irregularidades do processo com relação as populações tradicionais, que deveriam estar representadas pelas respectivas etnias.
A voz das comunidades
Com poucas oportunidades de fala, somente representantes de algumas comunidades, como Enseada e Barra Seca puderam fazer propostas de alteração no zoneamento apresentado pelo Grupo Setorial LN. A proposta dessas áreas permanecerem como Z2M foi levada a votação e aprovada pela plenária.
“Com mais de 70 assinaturas, eu represento aqui a praia da Enseada, em que foi proposto o zoneamento Z4M em zona entre marés, que permite estruturas náuticas de grande porte. Nós somos totalmente contra e exigimos que seja uma área de Z2M ”, destacou Roberto Ferrero, integrante da Associação de Amigos Remadores da Canoa Caiçara (Aarcca) e caiçara da praia da Enseada. A mesma alteração foi solicitada pela comunidade da Barra Seca e pela Prefeitura Municipal de Ubatuba, que pontuou a marcação de Z4M como um erro da CPLA, uma vez que essa comunidade possui a pesca artesanal e a maricultura que se tornam inviáveis em meio a estruturas náuticas maiores.
“O processo não é legitimo porque a consulta deveria ter sido feita com as comunidades tradicionais em conformidade com a legislação que protege essas populações, principalmente a Convenção 169 da OIT. Além disso, não há representantes dos povos tradicionais compondo este grupo de trabalho”, destacou Lourival. “Gostaria de comunicar que isso não pode ir para uma audiência pública antes de se esgotar esta esfera. Não há comunidades tradicionais sendo vistas no mapa. Por exemplo, o quilombo da fazenda e as aldeias indígenas aparecem apenas como áreas verdes, ali não é só um parque, é um território de sobreposição que precisa estar sinalizado no mapa”, finalizou.
Sem representatividade, não há zoneamento
“Desde 2013 acompanho esse procedimento e em todas as reuniões repito a mesma coisa: as comunidades tradicionais têm o direito de participar desse processo e não por meio do representante da sociedade civil. Isso é o que a constituição garante, e está na Politica Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT)”, ressaltou a Dra. Maria Capucci, Procuradora Geral da República (MPF-SP). Capucci questionou também o fato de que os procedimentos de consulta prévia deveriam ter sido feitos de maneira apropriada, com oficinas explicando o que é cada zoneamento e como essas mudanças podem interferir diretamente na vida dos comunitários.
“Com todo respeito ao processo e ao trabalho que foi feito por cada um aqui, o que legitima a continuidade disso é fazer com que esse texto e os mapas sejam levados em discussão em cada uma das comunidades. Não são as comunidades que devem vir aqui, é o governo que deve ir até elas”, completa Capucci.
“Abro um parêntese para questionar a legitimidade que estamos vendo nas cadeiras da sociedade civil dos municípios. É evidente que a população não tem se sentido representada. E particularmente a sociedade civil de Ubatuba, muito menos”, apontou a Procuradora sobre os representantes do Gerco. Segundo ela, mesmo com representantes estivessem alinhados com a defesa das populações tradicionais, ainda é preciso refazer os processos de consultas para suprir o que é exigido por lei.
Após diversas falas do MPF, do Fórum das Comunidades Tradicionais e de lideranças comunitárias que se posicionaram demonstrando a falta de informação, ficou determinado que as comunidades tradicionais que sentiram-se prejudicadas pelo processo, solicitarão reuniões específicas para discutir em âmbito local o mapa de zoneamento de suas comunidades. A determinação foi acatada pela plenária.
Ficou determinado que o mapa do ZEE de Ubatuba deve ser submetido às comunidades tradicionais com pontos polêmicos, tais como Ubatumirim e Caçandoca, antes da audiência pública que deverá ocorrer até o final de outubro deste ano.
Fotos: Informar Ubatuba - www.informarubatuba.com