Comunidades e instituições se unem pelo Rio Carapitanga
Nos dias 28 e 29 de março, no Quilombo do Campinho, 55 representantes de oito comunidades ribeirinhas e outras instituições se uniram pelo Rio Carapitanga em um primeiro encontro de trabalho: plantaram mudas de juçara, para recompor a mata ciliar; identificaram em um mapa participativo 173 pontos de destaque, para entender a situação do rio desde o seu ponto mais alto até sua foz; elaboraram um plano de ação, para enfrentarem juntos os desafios mapeados; e formularam as bases de um manifesto público – a Carta do Carapitanga.
“Estamos juntos para lutar pelo bem maior de todas as comunidades. Temos que dar nossas mãos, ver o rio pelo menos um pouco melhor para o futuro, para nossos filhos e netos.”
Maura Chueng, Associação de Moradores do Patrimônio.
“Do Carapitanga, temos uma memória afetiva. Íamos com as crianças lavar as roupas cedinho e voltávamos com roupas limpas e peixe consertado. Agora precisamos cuidar do rio que nos cuidou.”
Laura Maria dos Santos, educadora e quilombola do Campinho da Independência.
“Estamos aqui para ajudar, colaborar. O que tiver ao nosso alcance, ao alcance da nossa comunidade, pode contar com a gente.”
Nino, vice-cacique da Terra Indígena Araponga.
Resultados
Os 173 pontos mapeados são: locais de captação de água, conflitos pelo uso da água, trechos onde o rio recebe cargas de esgoto, áreas com ocupação e expansão desordenada, pontos de inundação e deslizamentos, comunidades com baixo acesso ao abastecimento de água, além de ações, iniciativas e projetos que contribuem para a saúde do rio e de sua população.
O acompanhamento do plano de ação será feita inicialmente pela Câmara Temática das Águas, do Conselho Gestor da APA Cairuçu. As ações deste plano referem-se a: mobilização das comunidades e dos órgãos públicos competentes; implantação de tecnologias de saneamento residencial; mapeamento das nascentes e dos pontos de captação de água; monitoramento da qualidade das águas em diferentes pontos do rio; instalação de estações capazes de medir o volume da chuva e das vazões dos rios e córregos; e ampliação das áreas de sistemas agroflorestais que produzam alimentos saudáveis, recuperem as matas ciliares e as funções hidrológicas das florestas.
“Este encontro foi o primeiro passo para integrar diversas ações, não para somar, mas sim multiplicar esforços.”
Leonardo Freitas, coordenador da assessoria de integração estratégica do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina.
Urgências
Foram identificadas algumas medidas que precisam ser implantadas em caráter de urgência. O controle da expansão residencial na região de Patrimônio e Novo Horizonte requer acordos com os moradores e ações fiscalizatórias pelos órgãos públicos. O abastecimento de água na Terra Indígena Guarani Itaxin, em Paraty Mirim, é um direito a ser assegurado em caráter definitivo. Da mesma forma, o saneamento ecológico nas Terras Indígenas Itaxin e Araponga é uma necessidade básica a ser atendida. Os conflitos de captação de água entre comunidades precisam ser conciliados. Obras públicas de captação, tratamento e saneamento devem ser planejadas com bons projetos.
“Este rio é nossa cultura, nossa alimentação, a sobrevivência da nossa comunidade. Mas hoje é um risco para nossa saúde. Achar uma solução para resgatar o rio é muito importante não só para os indígenas, mas para todos nós. Que Nhanderu nos dê forças para enfrentar esta tarefa.”
Ivanildes, Terra Indígena Itaxin, de Paraty-Mirim.
Ampla Participação
O evento foi organizado pela APA Cairuçu/ICMBio, Laboratório de Geo-Hidroecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Geoheco/UFRJ), o Grupo de Pesquisa em Desastres Sócio-Naturais da Universidade Federal Fluminense (GDEN/UFF) e Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS). O OTSS é uma parceria entre Fiocruz, Funasa e o Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT).
Participaram do encontro representantes das comunidades: Terra Indígena Araponga, Forquilha, Patrimônio, Quilombo do Campinho, Pedras Azuis, Novo Horizonte, Paraty-Mirim e Terra Indígena Itaxin. Além das instituições organizadoras e das comunidades ribeirinhas, participaram também representantes das seguintes organizações: Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía da Ilha Grande (CBH-BIG), Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS), Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Paraty, Câmara Municipal de Paraty, Comissão Municipal de Saneamento Básico, Conselho das Associações da População e Povos Tradicionais de Paraty (Conap), Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR/UFF), Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
“Quando nos reunimos assim, em círculo, com várias entidades, temos chance de criar alguma coisa boa. O Rio Carapitanga é o rio que junta as comunidades.”
Vereador Dr. Fernando, da Comissão Municipal de Saneamento Básico.
Mão na terra, escuta, problematização e organização para agir
No primeiro dia, os trabalhos começaram em um grande círculo feito pelos mais de 50 participantes. Cada um se apresentou e expressou seus pensamentos e motivações iniciais. Caminharam até a margem do rio, onde dialogaram e plantaram 15 mudas de juçara na roça agroecológica que a família do Sr. Gabriel desenvolve, em parceria com o OTSS, para recompor a mata ciliar, protegendo o rio e produzindo alimentos de qualidade. No diálogo às margens do Carapitanga, a Professora Ana Luiza Coelho Neto (Geoheco/UFRJ) explicou a instalação de estações, pela UFRJ e UFF, para monitoramento do volume de chuvas e das vazões do rio.
“Em 2015, ficamos comovidos com a fala da Laura, sobre a falta de água e o acirramento do conflito com a comunidade vizinha pela captação da água; então desenvolvemos este projeto de pesquisa, para entendermos quanta água temos aqui e qual a melhor forma e locais para captarmos”, explicou a Professora Ana Luiza.
No período da tarde, dividiram-se em três grupos para construção do mapa participativo, identificando pontos relevantes nos trechos alto, médio e baixo do rio Carapitanga. Os grupos utilizaram uma base cartográfica disponibilizada pelo software Google Earth. Em seguida, na plenária, cada grupo apresentou o mapeamento do respectivo trecho do rio.
No início do segundo dia, na plenária, foram lembrados os pontos principais identificados no mapeamento. O resultado do mapa foi problematizado pelas falas de dois convidados: a Sra. Dilza, quilombola do Campinho, e engenheiro Wilson Rocha, especialista em gestão das águas. A Sra. Dilza narrou as memórias do rio, como era utilizado e como está hoje. Ficou evidente como o rio foi afetado de uma geração para a outra. Wilson Rocha trouxe uma reflexão sobre a cultura da abundância de água, aqui dos povos da mata atlântica, em paralelo com a cultura da escassez de água, dos povos do semi-árido nordestino, região onde Wilson desenvolve seus trabalhos há décadas. Problematizou também os processos de gestão das águas que surgem destas duas culturas, apontando como inspiração o caminho trilhado pelo Sisar – Sistema de Saneamento Rural do Ceará – uma solução baseada no protagonismo das associações de moradores, com resultados expressivos.
Dividiram-se em quatro grupos, para construção do plano de ações integradas. Os grupos tinham os seguintes focos: (1) mobilização e gestão, (2) abastecimento de água, (3) esgoto e (4) monitoramento do rio e prevenção de desastres. Na plenária final, cada ação proposta foi discutida e deliberada até a conclusão do plano.
Durante todo o evento, os participantes contaram com a hospitalidade e deliciosa gastronomia do Restaurante do Quilombo do Campinho.
“Precisamos muito deste rio. Era o rio que dava pra gente a ‘mistura’. Ele é quem socorre quando tá calor, quando falta água na torneira. Mas está poluído, não tem mais peixe. Nunca tivemos problema sério com água, agora temos. Agora temos um problema muito sério com água.”
Sra. Dilza, quilombola do Campinho.
“Estamos em uma cultura hídrica em transformação. Hoje, para muitos, o rio é visto como um transportador de esgoto. Ouvimos a fala dramática da companheira do Patrimônio; a falta de água na Aldeia de Paraty-Mirim, mesmo com um rio caudaloso; o desespero dos moradores do Novo Horizonte, em conflito com alguém que pensa ser o dono da água, apesar de ter uma lei clara sobre isso; o abandono do sistema de saneamento implantado pela Funasa no Quilombo do Campinho; o abandono institucional do poder público em Paraty... Falta institucionalidade e gestão. Estamos começando a ter a consciência da escassez, que é a consciência que educa. E temos que enfrentar a questão da gestão, que é o fim da linha.”
Wilson Rocha, especialista em gestão das águas
Mapa Participativo
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Fotos: Comunicação FCT