Mais de 70 Indígenas, Quilombolas e Caiçaras participaram da reunião ampliada do FCT em São Gonçalo,
“pisa ligeiro, pisa ligeiro,
quem não pode com a formiga
não assanha o formigueiro...”
Nos dias 25 e 26 de setembro, a Comunidade Caiçara de São Gonçalo, em Paraty (RJ), sediou a reunião ampliada do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT). Mais de 70 indígenas, quilombolas, caiçaras e colaboradores do FCT participaram do evento, dialogando sobre situações e temas estratégicos e planejando as próximas atividades do movimento.
No primeiro dia, os participantes trabalharam em grupo aprofundando reflexões sobre as seguintes frentes estratégicas: ações jurídicas na defesa do território, agroecologia, turismo de base comunitária, saneamento ecológico, incubadora de tecnologias sociais, educação diferenciada e atuação do núcleo jovem.
No segundo dia, durante a plenária, além de ampliar os diálogos sobre cada tema trabahado em grupo, os participantes refletiram e planejaram também sobre estratégias de comunicação interna, oportunidades de desenvolvimento sustentável a partir da parceria com o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) e decidiram mover uma nota de repúdio, que será publicada nos próximos dias, contra o massacre impune dos irmãos indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
Núcleo Jovem
Um destaque do encontro foi a roda de conversa organizada pela juventude indígena, quilombola e caiçara de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba para pautar suas demandas e iniciar uma organização jovem cada vez mais sólida. Nesta roda de conversa estiveram presentes cerca de 25 jovens do Quilombo do Campinho, Quilombo Santa Rita do Bracuí, Praia do Sono, São Gonçalo, Pouso da Cajaíba, Aldeia Sapukai, Aldeia Paraty Mirim, Aldeia Araponga.
Roteiros de TBC
Após a plenária, todos os participantes foram convidados a participar de uma atividade prática: experimentar dois roteiros de turismo de base comunitária que estão sendo construídos pela Comunidade de São Gonçalo. Um grupo seguiu o roteiro da roça morro acima, conhecendo iniciativas agroecológicas da comunidade: a roça do Colmeia e o alambique local. O outro grupo seguiu o roteiro do mar, passeando pelo paraíso natural das ilhas e costas próximas à Praia de São Gonçalo e São Gonçalinho. Além do cenário paradisíaco ao redor, os participantes puderam experimentar as informações históricas muito bem contadas por Vaguinho, liderança local, sobre as várias trajetórias de lutas que marcam este território. O ponto alto do passeio náutico foi a visita à Ilha do Pelado, onde a família caiçara tradicional da Bete resiste com seu pequeno empreendimento familiar, mantendo cuidados para continuar preservando o meio ambiente e lutando contra diversos interessados em expulsar sua família desta ilha maravilhosa.
A luta na Ilha do Pelado
A visita à Ilha do Pelado foi importante para que os membros do FCT pudessem conhecer presencialmente a luta da família caiçara da Bete. Vaguinho, coordenador do FCT, explicitou o compromisso do Fórum em apoiar a luta judicial da Bete e também de apoiar uma iniciativa de saneamento ecológico no local.
Expulsos décadas atrás da Praia de São Gonçalo, a família da Bete estabeleceu seu comércio na Ilha do Pelado, há mais de 20 anos! O Bar da Bete, além de empregar e sustentar sua família, gera cerca de 80 empregos dentro da comunidade, de quem ela compra peixe, camarão, lula, mandioca, palmito etc. A família protege o meio ambiente da ilha coletando todo o óleo utilizado, todo o lixo produzido, funcionando sem água encanada nem energia elétrica e ainda limitando – com apoio dos barqueiros – a quantidade de turistas ao mesmo tempo na ilha.
Apesar de todos estes cuidados e da importância deste empreendimento familiar vintenário para sustentação da comunidade, os órgãos ambientais há anos vêm pressionando a família da Bete, sem diálogo, com multas, ações de interdição e exigindo o fechamento do bar. Chegaram a impedi-la de entrar no pórprio estabelecimento, quando foi obrigada a trabalhar em uma tenda com um isopor e o berço da filha. Porém, com ajuda de muitos amigos, o bar está funcionando novamente, mas as pressões e a luta judicial continuam.
Ao mesmo tempo, é visível que outros empreendimentos de não-caiçaras seguem livres para impactar o meio ambiente. Por exemplo: na mesma Ilha do Pelado, um empresário construiu uma grande casa, inclusive com um bar muito mais agressivo ao meio ambiente e ainda com um heliponto no topo do morro – onde certamente não poderia ter sido desmatado. Da ilha, podemos ainda avistar no horizonte uma imensa monocultura de palmito pupunha na Fazenda São Gonçalo. Mas estes empreendimentos parecem não preocupar tanto a fiscalização ambiental quanto o vintenário empreendimento familiar caiçara do Bar da Bete.
A luta de São Gonçalo é de todos
Durante os dois dias do evento, a Comunidade Caiçara de São Gonçalo acolheu a todos com refeições fartas e deliciosas, acomodações confortáveis e hospitaleiras, além de uma impecável organização do evento. No fim do segundo dia, o último ato desta reunião ampliada do FCT não poderia ser de outra forma, nem em outro local: um delicioso café caiçara no Bar e Restaurante Duzé, onde a esposa e filhos de José Milton de Oliveira, o Zequinha, há décadas lutam resistindo em um território em que cerca de 170 famílias caiçaras já foram expulsas. Emocionados, todos os presentes prestaram uma homenagem ao Zequinha, liderança caiçara de São Gonçalo, assassinado anos atrás, enquanto lutava pelo território. Em coro, todos entoaram o grito de luta: “A cada companheiro tombado, nem um minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta.”
Fotos: Comunicação FCT